Saturday 30 August 2008

Destino de Grandes e Pequenos

Versão atualizada do artigo publicado no Caderno Cultural de A Tarde em 3 de dezembro de 2005

de Sabrina Gledhill

Informou-me que subir na vida através dos empreendimentos era, de um lado, o caminho de homens de destinos desesperados ou, de outro lado, homens de aspirações e destinos superiores, que se tornam famosos pelas suas realizações descomunais

(Daniel Defoe, in Robinson Crusoé)

O estrangeiro...o outro lado do mundo. Desde seu descobrimento, esta parte do planeta foi vista pelos europeus como um lugar de perigos e oportunidades. Os ingleses, presos por séculos a um sistema de classe que só valorizava aqueles que viviam de renda, menosprezando o comerciante e vendo o operário como escória, tinham poucas oportunidades de ascensão social.

Um pobre, homem ou mulher, condenado ao degredo por furto ou roubo. Alguém que nasceu em berço de ouro, mas sem direito a herança por ser o irmão mais novo do morgado. O segundo ou terceiro filho de um comerciante, designado a estudar direito ou medicina, que se rebelava contra seu destino. Um homem infeliz no amor. Um homem pobre, mas culto, procurando construir um patrimônio que o deixaria livre para se casar e formar uma família. Um caixeiro ou agricultor. Um engenheiro. Um naturalista, artista ou fotógrafo. Um médico. Um religioso. Um marujo ou oficial na marinha mercante ou na Real Marinha Britânica. Uma mulher acompanhando seu cônjuge ou seus pais, mas também aquela que, por qualquer motivo, resolveu “dar a volta ao mundo”. Além dos grandes comerciantes e empresários ingleses, que vieram enriquecer – e enriqueceram – aqui, todos estes cidadãos comuns fizeram parte das sucessivas levas de emigrantes britânicos que enfrentaram os perigos para buscar uma vida melhor em terras tropicais. Alguns foram espelhados em personagens de ficção.

A literatura inglesa está repleta de histórias de viajantes e de imagens do Novo Mundo e mais especificamente do Brasil como o destino dos irrequietos e empreendedores. Encontramos uma das mais conhecidas – vinda de um livro amplamente difundido – em Robinson Crusoé (1719), onde, depois de muitos sofrimentos, a personagem titular vive seu happy ending graças à fortuna que acumulou com sua fazenda no Brasil, mesmo padecendo 27 anos numa ilha deserta. Para o autor, Daniel Defoe, escrevendo no início do século XVIII, a América era um lugar de perigos, mas também uma fonte de riqueza que podia ser usufruída até a distância.

Em O morro dos ventos uivantes (1847), de Emily Bronte, o protagonista Heathcliff sai da Inglaterra desgostoso e volta um homem rico, disposto a vingar-se de todos que o humilharam e da mulher que o desprezou. A origem de sua repentina fortuna nunca é esclarecida, mas uma coisa fica clara – ainda em meados do século XIX, a solução que a autora escolheu para fazer um personagem pobre enriquecer da noite para o dia foi uma viagem para o estrangeiro.

Uma história mais realista faz parte do romance A mulher vestida de branco (1861), de Wilkie Collins. Um dos narradores, um professor de desenho artístico, se junta a uma expedição à América Central como desenhista para esquecer um amor impossível (mesmo sendo de boa família, ele não pode se casar com uma rica herdeira, porque seria considerado um gigolô). Ao invés de voltar rico, tem sorte de retornar com vida depois de sobreviver aos três maiores perigos de qualquer viagem para o Novo Mundo no oitocentos – ataques indígenas, doenças e naufrágios. Publicados em série, como as obras de Dickens, os romances de Collins eram a coqueluche na Inglaterra e de ingleses expatriados no mundo todo – os vitorianos enfrentavam filas quilométricas para comprar o próximo capítulo.

CONDIÇÕES VANTAJOSAS – Já no final do século XIX, no romance Tess (1891), o autor Thomas Hardy escolhe justamente o Brasil como o lugar para onde Angel Clare foge quando descobre que sua esposa, Tess, não era virgem quando casou-se com ele, porque fora violentada por um suposto parente.

Nas suas andanças, ele observou nos arrabaldes de uma cidadezinha um cartaz vermelho e azul que proclamava as grandes vantagens do Império do Brasil, como campo para o agricultor emigrante. A terra lá era oferecida em condições excepcionalmente vantajosas. O Brasil atraiu-o como uma idéia nova. A Tess poderia juntar-se a ele lá algum dia, e talvez nesse país de cenários, noções e hábitos diferentes as convenções não fossem tão influentes que lhe tornassem impraticável a vida com Tess. Em suma, estava intensamente inclinado a tentar o Brasil, ainda mais porque a ocasião mais propícia de ir para lá se aproximava.

Angel Clare supera o preconceito dos pais evangélicos e parte para aquela terra “papista” cheio de esperança. Infelizmente, as realidades e os perigos dos trópicos para o emigrante incauto – inclusive a febre amarela e a “febre intermitente” (malária) – acabam com o sonho de enriquecimento e esquecimento. As cartas de Tess chegam até os confins do país e chamam Angel Clare de volta à Inglaterra, mais morto do que vivo.

O pai, também, ficou chocado ao vê-lo, tão reduzida estava aquela figura dos seus contornos antigos pela preocupação e pela má estação que Clare tinha vivido, num clima para o qual ele fugira tão precipitadamente (...) Podia ver-se o esqueleto por trás do homem, e quase o espectro por trás do esqueleto. Igualava-se ao Christus morto do Crivelli. As órbitas afundadas tinham uma tonalidade mórbida e o brilho se esmaecera dos olhos. As cavidades angulosas e as rugas de seus idosos antepassados reinavam no seu rosto 20 anos antes de seu tempo.

Além do passado trágico da Tess, o Angel também foi vítima de propaganda enganosa.

FILHA DO SOL As histórias de Sherlock Holmes, escritas por Sir Arthur Conan Doyle na virada do século, contêm vários casos de ingleses e norte-americanos que não somente enriqueceram como casaram no estrangeiro. Para o autor, estes enlaces com mulheres tropicais também tinham seus perigos. No conto intitulado “O problema da Ponte de Thor” (1927), a suposta vítima de assassinato é uma brasileira, a esposa maltratada de um senador norte-americano chamado Neil Gibson, “o Rei do Ouro”, que a conheceu em Manaus quando “andava pelo Brasil, em busca de ouro”. Ela é descrita assim: “Era uma criatura dos trópicos, nascida no Brasil (....) Tropical por nascença, de natureza tropical. Filha do sol e da paixão. Ela amou-o como este tipo de mulher sabe amar, mas quando seus atrativos físicos – e dizem que já foram consideráveis – se esvaeceram, não havia mais nada que o prendesse a ela”.

Em contraste, a suposta assassina é uma jovem e bela governanta, Srta. Dunbar – a flor da castidade e da espiritualidade; uma rosa inglesa. No final, o famoso detetive descobre que, por ciúmes, a Sra. Maria Pinto de Gibson planejou sua própria morte, justamente para incriminar a inocente Srta. Dunbar.

A experiência fictícia do Gibson reflete o pensamento do autor inglês que escreveu com o pseudônimo de “Jacaré Assu” sobre os perigos da miscigenação dos ingleses e outras “raças”:

Vamos manter esta conexão (econômica), que já é bastante estreita, mas evitar que nos leve além dos limites dos relacionamentos puramente platônicos. Vamos festejar os laços comerciais que nos unem e os lucros sólidos que cada um gera para o outro... mas devemos rebelar antes de aceitar a mistura de duas raças antagônicas que produziria objetos de mútua repreensão e censura... Desta maneira, evitaremos a tendência de deslizar da base segura das relações amistosas... para os agrados sedutores de uma ligação que só pode resultar numa prole de ingleses crioulos ou até ‘vira-latas’, exemplos depauperados da insensatez dos pais. (“Jacaré Assu”, 1873).

FÍSICO E MENTAL – Tanto na ficção e nos estudos supostamente científicos, muitos autores ingleses forneceram uma visão distorcida dos trópicos e sua influência na raça e na alma humana. Por exemplo, o historiador e sociólogo Henry Buckle (1821-1862), que nunca pisou no Brasil, fez uma análise detalhada da influência do clima tropical que chegou a ser traduzido ao português por Sílvio Romero.

Em seu livro lançado em 1857, Introduction to the history of civilization in England, Buckle afirmava que o progresso da civilização européia marcava-se pela influência cada vez menor do mundo natural, e, na Europa em geral e na Inglaterra em particular, as forças mentais acabariam por sobrepujar às condições físicas. No entanto, negava tal fato para os demais continentes, nomeadamente para o Brasil, país que estaria acima de qualquer outro no que se refere à abundância de vida natural e onde a grandiosidade da natureza não deixaria espaço para o homem que, por isso mesmo, estaria condenado a viver eternamente em condições primitivas.

Portanto, muitos ingleses tiveram uma imagem do Brasil que chegou a ser ironizada assim por James W. Wells, um engenheiro inglês que morou muitos anos neste país: “Para a maioria do povo britânico, o Brasil é uma daquelas repúblicas sul-americanas, tá sabendo, localizada em algum lugar da América do Sul, propensa a revoluções, terremotos e Yellow Jack (febre amarela) e tudo mais, tá sabendo? E por incrível que pareça, tem um imperador que acorda absurdamente cedo... e os brasileiros são espanhóis”.

Verossímeis ou não, contos, romances e relatos sobre aventuras no estrangeiro ajudaram a incentivar muitos ingleses a tentarem a sorte no Brasil na vida real, principalmente no século XIX, depois da abertura dos portos em 1808. Alguns voltaram ricos, outros, doentes e pobres, mas alguns ficaram aqui – enterrados no Cemitério dos Ingleses da Bahia e outros campos santos, vítimas de doenças como a cólera morbus, febre amarela, tifo e até de insolação, ou encantados pela terra e seus “filhos do sol e da paixão”. Descartando os conselhos de “Jacaré Assu”, estes casaram, tiveram filhos e netos, e hoje, como resultado, uma grande porção da sociedade baiana tem ancestrais e até sobrenomes britânicos como Edington, Buckingham, Hughes, Marback, Paterson, Wilson e muitos outros que já se tornaram brasileiros.

Tuesday 19 August 2008

Palestrantes confirmados

Kenneth Light
Conferencista de Abertura. Autor do livro A viagem marítima da família real - A transferência da corte portuguesa para o Brasil (Rio: Zahar, 2008) O pesquisador Kenneth Light analisa de maneira minuciosa os diários de bordo das embarcações que acompanharam a Família Real ao Brasil. Assim, provoca o naufrágio de mitos a respeito da precariedade da viagem e da idéia de que a Coroa portuguesa fugia de forma desesperada dos homens de Napoleão. Kenneth Light estuda há dez anos a intensa relação entre as histórias de Portugal, Brasil e Inglaterra no século XIX, seguindo passageiros, capitães e marinheiros embarcados na viagem de 1808. A riqueza de conceitos do trabalho de Kenneth Light é fruto de um cuidado historiográfico fortemente comprometido com a análise precisa das fontes, capaz de comungar saberes marítimos, tecnológicos e culturais a serviço de um texto histórico de qualidade.

Consuelo Novais Sampaio
Historiadora. Autora do livro 50 anos de urbanização – Salvador da Bahia no século XIX, entre outros. Diretora do Centro de Memória da Bahia, Fundação Pedro Calmon.

Louise H. Guenther
Autora do livro British Merchants in Nineteenth-Century Brazil: Business, Culture and Identity in Bahia, 1808-50 (Oxford: Center for Brazilian Studies, 2004). PhD da Universidade de Minnesota.

Marc W. Herold
Economista, Professor de Economia da Universidade de New Hampshire. Pesquisador da história econômica da Bahia.

Elizete da Silva
Professora de História das Religiões da Universidade Estadual de Feira de Santana e coordenadora do Mestrado. Tese de doutorado sobre os anglicanos no Brasil.

Etelvina Rebouças Fernandes
Arquiteta. Autora do livro: Do mar da Bahia ao Rio do Sertão: Bahia and San Francisco Railway (2006).

John Vignoles
Engenheiro e pesquisador. Pesquisa os engenheiros que construíram a Bahia and San Francisco Railway - BSFR. Bisneto e tataraneto de Hutton Vignoles e Charles Blacker Vignoles, respectivamente o engenheiro residente e engenheiro responsável pela construção da BSFR.

Monique Sochaczewski Goldfeld
Doutoranda do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (História, Política e Bens Culturais). Co-organizadora do livro Iconografia Baiana do Século XIX na Biblioteca Nacional (2005).

Maria Clara Mariani Bittencourt
Diretora-Presidente da Fundação Clemente Mariani. Foi sua supervisão direta que, entre 2004 e 2006, a Fundação Clemente Mariani promoveu, associada ao FazCultura do Governo do Estado da Bahia, a restauração do Cemitério dos Ingleses de Salvador.

Julio Casoy
Médico, pesquisador. Realiza pesquisas sobre o médico escocês John Ligertwood Paterson, em particular sua experiência com a fitoterapia tradicional africana, utilizando fontes primárias – cartas redigidas pelo próprio Dr. Paterson.

Ricardo Chequer Chemas
Médico, neuropsiquiatra, pesquisador. Realiza pesquisas sobre a arte cemiterial em geral e especificamente sobre o Cemitério dos Ingleses da Bahia.

Sabrina Gledhill (Coordenadora e Palestrante)
Brasilianista. Realiza pesquisas sobre o Cemitério dos Ingleses e a presença britânica na Bahia e as contribuições de vários britânicos, do Almirante Cochrane a Edward Pellew Wilson. Projeto "A Presença Britânica na Bahia: uma Nova Ótica sobre a História do Brasil e a Grã-Bretanha" foi finalista do Prêmio Clarival do Prado Valladares em 2006. Mestre em Estudos Latino-Americanos pela UCLA (áreas de especialização: História, Antropologia e Ciência Política do Brasil).

Jaime Oliveira do Nascimento (Coordenador e Palestrante)
Historiador. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e o Instituto Genealógico da Bahia. Realiza pesquisas sobre o Conde dos Arcos e o Teatro São João. Organizador de simpósios sobre Manuel Querino, o Conde dos Arcos e a Presença Britânica na Bahia.

Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico

CNPJ 03926.246/0001-87

W. Nigel Lee, MBE, Presidente da Sociedade de São Jorge e Ex-Cônsul Honorário da Grã Bretanha

Hoje em dia, a representante oficial da comunidade britânica na Bahia é a Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico. O objetivo desta Sociedade é essencialmente a administração de seus bens na cidade do Salvador, que incluem a Igreja Anglicana na Pituba e o Cemitério dos Ingleses na Ladeira de Barra. A Sociedade também promove a realização de atos artísticos, recreativos, culturais e educacionais. Todos os cidadãos ingleses que aqui habitam são considerados associados desta Sociedade, mas apenas aqueles com mais 18 anos têm direito a voto. O estatuto da Sociedade foi revisado e atualizado em dezembro de 1998. O estabelecimento do Cemitério dos Ingleses na Barra foi aprovado pelo Conde dos Arcos, Governador da Capitania, em 1811, mas há indícios que já existia um Campo Santo britânico neste local anteriormente. Os

Membros do Conselho da Sociedade são:
Presidente ...............W. Nigel Lee
Vice Presidente........Lesley Hanson de Moura (Cônsul honorária da Grã-Bretanha)
Tesoureiro................Edward Skelton
Secretária.................Denise Sara Key
Diretora ...................Sheila Dias
Christopher Hannigan - Primeiro Suplente - Conselho
Sheridan Tandy - Suplente do Conselho
Tim Bradbury – Comitê Fiscal
Robert Salem – Comitê Fiscal
Roberto Woolf – Suplente Comitê Fiscal
William Wisden – Suplente Comitê Fiscal.

Evento Comemora a Presença Britânica na Bahia

SIMPÓSIO INTERNACIONAL DIPLOMACIA, ECONOMIA e CULTURA. A HISTÓRIA DA PRESENÇA BRITÂNICA NA BAHIA 3 a 8 de novembro de 2008

O Simpósio internacional "Diplomacia, Economia e Cultura. A história da presença britânica na Bahia." Promovido pela Sociedade da Igreja de São Jorge e o Cemitério Britânico, com a chancela de Embaixada Britânica no Brasil, este evento busca propiciar uma abordagem multifacetada da formação do complexo e às vezes conturbado relacionamento do Brasil com a Grã-Bretanha, focando especialmente a história da presença britânica na Bahia. Esta visão será traçada a partir da apresentação de pesquisas de estudiosos da temática e de descendentes da comunidade britânica da Bahia, inclusive de algumas das centenas de pessoas enterradas no Cemitério dos Ingleses na Bahia, entre as quais:

  • Edward Pellew Wilson, que estabeleceu a empresa Wilson, Sons na Cidade do Salvador em 1837;
  • John Ligertwood Paterson, pioneiro no combate à cólera e febre amarela na Bahia e um dos fundadores do Hospital de Isolamento (1853), agora o Hospital Couto Maia; e
  • Comandante Frederick William Fead, da Marinha Inglesa, cujo túmulo-monumento esculpido com "ornatos alusivos à dignidade do posto militar (capacete e óculo de comandante de esquadra)" foi descrito e fotografado por Clarival do Prado Valladares no livro Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros.
O simpósio também tratará de uma maneira mais abrangente da história das relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha que levaram ao estabelecimento da Comunidade Britânica na Bahia.

Através do Simpósio internacional “Diplomacia, Economia e Cultura. A história da Presença Britânica na Bahia”, espera-se que seja aberto um debate que permita a problematização em volta da presença britânica na Bahia, resgatando a história e o cotidiano social em que se deu essa presença.