Friday 10 July 2009

Artigo sobre Cemitério dos Ingleses no portal da Revista de História

Novos baianos
Historiadora se empenha para restaurar o Cemitério dos Ingleses da Bahia e, pelos túmulos, resgata a história dos britânicos que fizeram do Brasil sua nova casa.
Bernardo Camara

À bordo da nau que margeava o litoral brasileiro, o comerciante Edward Pellew Wilson deslumbrou-se com o que viu. Não pensou duas vezes: decidiu tentar a vida aqui, onde fundou a empresa de navegação Wilson Sons. Médico, John Ligertwood Paterson também se deixou levar pelos ventos tropicais. Inaugurou uma clínica em solo tupiniquim e, entre um paciente e outro da elite, abria as portas para o povo. Carregando no bolso teorias modernas contra epidemias como a febre amarela e a cólera, foi um dos fundadores da Escola Baiana Tropical de Medicina.

Ambos eram ingleses. Aportaram na Bahia ao longo do século XIX. E seus passados se cruzam até hoje... num cemitério. Há quatro anos fuçando lápides e túmulos no Cemitério dos Ingleses da Bahia, a historiadora – inglesa – Sabrina Gledhill se deparou com estas e outras histórias. Casos de conterrâneos que chegaram de mala e cuia a partir da abertura dos portos, em 1808.

A época era propícia. Com poucas chances de ascensão social em território britânico, comerciantes, empresários e toda sorte de viajantes passaram a cogitar viver do lado de cá do Atlântico. A leva de migrantes incluía de caixeiros a engenheiros, todos atrás de novas oportunidades. Mas se a antiga capital brasileira tinha muito a oferecer a esses estrangeiros em vida, na hora da morte eles passavam aperto.

“Na época, não havia cemitérios a céu aberto por aqui, pois os enterros ocorriam dentro das igrejas”, conta Sabrina. “E como o preconceito era mútuo, os católicos não deixariam os protestantes serem enterrados nessas igrejas, nem eles próprios iriam querer isso. Onde, então, eles seriam sepultados?”. A resposta veio em 1811, quando o tal cemitério foi erguido cara a cara com a Baía de Todos os Santos.

O primeiro a descansar em paz chegou dois anos depois. Nascido em Liverpool, aproveitou a onda migratória e pegou o navio para essas bandas, onde viveu às custas do tráfico de escravos. Mas não demorou para que ele dividisse o espaço com naturalistas, diplomáticos e até mulheres e crianças, nem sempre britânicos.

“Era comum os ingleses chegarem ao Brasil trazendo a família. Como também era normal formarem famílias aqui. A lista de sepultamentos inclui cônjuges e filhos brasileiros de ingleses, judeus de várias nacionalidades, norte americanos e outros estrangeiros”, enumera a historiadora. “Era uma questão mais religiosa que nacional”.

O resgate desse contexto começou por acaso. Há mais de 20 anos morando em Salvador, Sabrina começou a se incomodar com o abandono e degradação do cemitério. Iniciou uma campanha por sua restauração física e acabou vertendo para o lado histórico daqueles sepulcros. “Comecei a me fascinar pela história das pessoas enterradas ali”.

Enquanto o local era reparado, com o patrocínio da fundação baiana Clemente Mariani, a inglesa catou bibliografias sobre o assunto e correu atrás de cópias de testamentos. Encontrou bastante coisa, mas sabe que ainda tem muita história debaixo da terra.

“Tem uma área onde houve um sepultamento em massa de marinheiros, mas ainda não a descobrimos. Muita coisa sumiu”, diz ela. Por isso, a segunda etapa do projeto será mais voltada para os túmulos. “Eu e um arqueólogo vamos fazer um levantamento mais completo, incluindo restauro, arqueologia e mapeamento histórico”.

Tudo depois vai parar num livro. Sabrina está animada e não se importa um pingo com fato de sua pesquisa se passar num local que para muitos é inusitado. Se ela prefere se enfurnar numa biblioteca? “Nós, ingleses, não vemos os cemitérios como um lugar macabro, mas de paz e memória. Fazemos até piquenique”.


http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2469

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